17/09/13

Immanuel Kant, o incendiário

Despertou-me inicialmente a atenção quando vi a notícia no Sol. Como me pareceu que haveria um problema de redacção e/ou tradução, pesquisei no Google e fui ter à notícia do Independent. Alguém que não estivesse atento poderia pensar que esta é uma daquelas notícias inventadas, da Imprensa Falsa ou do Inimigo Público. Mas é verdade, o que só prova o cliché de que a realidade demasiadas vezes ultrapassa a ficção.
Um homem é baleado no seguimento de uma discussão filosófica. Sobre Kant. Baleado várias vezes pelo seu opositor. Quão extraordinário é isto? Kant, o homem que fazia da temperança e da sensatez as suas virtudes cardeais, a gerar tanta paixão. Não tendo sido divulgada a ideia kantiana sobre a qual os dois homens russos discutiram, é contudo revelado um pormenor que me parece interessante: a discussão começou enquanto esperavam por uma cerveja. Sabemos como o álcool altera o estado de espírito, espoleta discussões e gera violência. Mas isto é, digamos, excessivo. Encetar uma discussão filosófica com um estranho que redunda em confronto físico e em tiros disparados à queima-roupa entra no domínio do surreal. Não há númeno que descreva esta sucessão de improbabilidades estatísticas. Mesmo acreditando que na Rússia é vulgar a discussão em público de temas filosóficos - tal como é dito na notícia do Sol. Se assim for, o país de Tolstoi e Putin é o legítimo herdeiro da Grécia Antiga, mas com uma reviravolta: saímos da academia, das escolas fundadas por filósofos, e saltamos para tascos mal frequentados. Da Ágora para a taberna - três mil anos de tradição filosófica no Ocidente.
Seja como for, e prestada a devida homenagem à nação que recuperou o fervor da discussão filosófica pública, resta uma questão: que conceito estaria em discussão? A diferença entre belo e sublime? As ideias apriorísticas? Dúvidas, dúvidas. Certamente que não seria a ideia de paz perpétua. Talvez o imperativo categórico. Quem sabe se, levado por uma fervorosa defesa deste imperativo, o homem que descarregou um revólver (com balas de borracha) no seu adversário não seria o último reduto desse imperativo? As contingências da vida material - os limites da moral, a prisão - não se sobrepuseram à obrigação moral, ao dever, que terá sentido em defender o seu ponto de vista. Sem termos a certeza sobre qual a ideia discutida, podemos facilmente acreditar que, naquele momento, a obrigação moral sobrepôs-se ao resto. Contra este facto, nada poderemos fazer. Uma coisa é certa: como alguém comentou no Facebook: "todas as discussões filosóficas deveriam acabar assim". Tanto fervor e dedicação certamente contribuiriam para o renascimento da filosofia. Bem precisamos.  

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