27/01/13

O próximo Outono

O diário de João Miguel Fernandes Jorge foi escrito com um objectivo temporal concreto: de Outono a Outono, pouco mais de doze meses passados a preparar uma exposição de Pedro Calapez. Exercício diarístico singular: a determinada altura, o autor confessa que tem pouco jeito - ou apetência - para o confessionalismo do género. As iniciais escondem as pessoas que vão passando pelo diário, os lugares mencionados são apenas os que existem fora da vida do autor - há uma porta fechada sobre a intimidade e há um silêncio sobre psicologismos e intenções. A vida interna de JMFG é cifrada e reflectida no que lhe vai acontecendo. A história do monge e do ruivo - uma tentativa ficcional respirando fora do papel - vai-se diluindo ao longo do tempo, mas enquanto existe aproxima o autor de uma verdade pessoal. A ficção é o que de mais próximo sentimos do real a que o autor vai escapando. Isso e as entradas de diário ensaísticas, sobre a exposição de Calapez ou sobre quadros e museus que vão sendo visitados. Há uma aproximação ao cinema através de Vermeer: o filme Rapariga Com Brinco de Pérola é um pretexto para falar do pintor holandês. Também se encontra poemas, sempre sinalizando um ponto no percurso - mental mas sobretudo geográfico. Um ano na vida de um poeta e crítico de arte, um ano preparando o tempo que vai passar. Ao fim desse tempo, projecto acabado, e conhecemos menos o autor do que antes de lermos o seu diário? Talvez não interesse: o que é publicado é literatura, a vida não cabe em letra de forma.

Sem comentários: