05/05/12

Olé

Não cheguei a terminar Dublinesca. Deve ter sido o primeiro livro de Enrique Vila-Matas a levar esse tratamento. Não me recordo de quais as exactas circunstâncias em que tal aconteceu, apesar de ter sido há menos de um ano. Mas ao ler a entrevista do escritor feita por Carlos Vaz Marques (na Ler deste mês) fiquei com vontade de comprar o tal Ar de Dylan. Aquela coisa de ser tão bom entrevistado como escritor pode parecer um cliché hiperbólico, mas quem retira tanto prazer de uma entrevista quanto das linhas escritas pelo entrevistado tenderá a concordar. E Vila-Matas nas entrevistas é tão esquivo e metaliterário como nos livros. É como se nos últimos anos ele se tivesse vindo a metamorfosear num dos seus Montano ou Bartlebys - e ele admite-o na entrevista, presta-se ao jogo. Não admira que tenha ido buscar Dylan - o tal homem que não tem rosto real, apenas uma máscara. Mas sem pretensões, como de resto Vila-Matas também admite. As coisas são como são, e numa entrevista não esperamos encontrar verdades. Mesmo que haja algumas confissões pelo meio - nesta, a admissão de que há personagens nos seus livros que gostam de citar supostas frases de escritores que são do próprio autor catalão. Como a agora famosa tirada de Marguerite Duras que aparece em Paris Nunca se Acaba: "escrever é tentar escrever o que escreveríamos se escrevêssemos". Um certo fetichismo literário, e a vingança da personalidade submetida a um questionário preparado por um estranho, um interrogatório. Ser uma estrela (como Dylan) é também ganhar calo nestas coisas, e passados tantos anos a escrever sobre escritores que o recusam ser (tudo o que vem com este trabalho, aparecer, falar, vender o produto), Vila-Matas, munido de um sentido de humor auto-depreciativo, irónico, que tanto existe na voz dos seus narradores como na voz do narrador que responde a entrevistas, chegou a um cúmulo que inclui roteiros turísticos pelas ruas e lugares que aparecem nas suas obras de ficção (?). 
Talvez antes de Dylan regresse a Dublinesca, para compreender a brincadeira do "grande salto inglês"; que inclui uma confraria de joyceanos passeando-se por Dublin no Bloomsday, fazendo-se passar por anarquistas espanhóis. Tudo não passa de um jogo. Que refrescante, se pensarmos no modelo de entrevista habitual das "grandes figuras" da literatura...

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