28/08/11

Barata (uma alucinação de Adília Lopes)


                                                                               "Por exemplo, nunca convidei uma barata para lanchar comigo"
                                                                                 CLARICE LISPECTOR

Havia uma pessoa
que convidava outras pessoas 
para lanchar com ela
ela fazia pudins complicados
tão complicados
que eram precisas mais duas pessoas
para os fazer
o que é muito perigoso
porque se três pessoas fazem a mesma coisa
ao mesmo tempo (mais ou menos)
ou morre a mais velha ou morre a mais nova
ela por esperar muito os convidados
arranjou as coisas de maneira
a ser sempre a do meio
entretanto as criadas iam morrendo
mas os convidados não apareciam 
ela chegou mesmo a suspeitar 
que nunca os tinha convidado
ou que nunca os tinha conhecido
comia ela os pudins com a criada que sobrava
e às vezes com uma barata
as criadas não achavam bem a barata
em cima da mesa
e a barata deixou de aparecer
ela com o desgosto passou a viver de maneira perigosa
fazia de maneira que as duas criadas
fossem ambas mais velhas do que ela
ou ambas mais novas
mas eram sempre as criadas a morrer
até que um dia sem ter feito nada por isso
morreu
então as criadas abriram a porta do armário
onde tinham fechado a barata
e a barata saiu de lá 
muito magra
a caminhar a custo
e à medida que os convidados
iam aparecendo os convidados
iam pedindo desculpa às criadas

In Dobra, ed. Assírio & Alvim, 2009.

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