23/03/10

A fabulosa experiência do 3D digital



O novo mundo vem anunciando-se a cada filme que estreia. Primeiro, experimenta-se no cinema direccionado a um público mais novo - filmes de animação, Avatar -, mas é previsível que, progressivamente, tudo o que é produzido em Hollywood chegue às salas nesse novo formato do futuro. Não sou conservador porque isso não faria sentido nenhum em relação a uma arte que acaba por ser um prodígio de uma era da técnica; a sétima Arte, a mais recente, desde o seu aparecimento - relembre-se, com o filme dos irmãos Lumiére que captava trabalhadores à saída de uma fábrica - tem-se caracterizado por espantosos avanços tecnológicos - da invenção da montagem, do som, da cor até ao recente uso da câmara digital e a criação de espantosos mundos virtuais. A experiência cinematográfica, pessoal e subjectiva, tem dependido, desde o início, da técnica que a suporta. Mas, chegados aqui, o que temos: a fabulosa experiência do 3D, que esvazia, em grande parte, a sensação de ausência que o cinema proporciona. Depois de dois desconfortáveis - os óculos reutilizáveis com gordurosas lentes que escurecem os tons do filme, por cima dos meus óculos do dia-a-dia - visionamentos, dificilmente me apanharão a passar pelo mesmo. Não é exagero; Alice no País das Maravilhas, de Tim Burton, sem estas incómodas distracções, teria sido uma grande trip psicadélica - assim, assemelhou-se a olhar para um ecrã de computador em espera, com aquele efeito da viagem pelo espaço sideral. Não preciso que o filme salte para fora do ecrã, em várias direcções; as duas dimensões são suficientes para entrar noutro mundo. De certo modo, o 3D anula a artificialidade tradicional do cinema, aquilo que nos permite entrar dentro do filme: a profundidade de campo, o grande plano, o close-up, a montagem. A eficácia de um efeito especial mede-se pelo impacto que tem no espectador: emocionamo-nos quando um plano de pormenor mostra-nos as mãos dos amantes a afastar-se, sentimos medo quando a rápida montagem intercala o rosto aterrorizado da actriz com a mão do assassino segurando a faca, revela-se o esplendor de um cenário quando a câmara se afasta e capta as várias camadas que o compõem. Com o 3D, a cada momento o olhar salta para o que é supérfluo, perdendo o essencial, sem remédio. Não sei se o tempo trará melhorias à técnica; a verdade é que o 3D já tinha sido tentado antes e agora é apenas uma memória de infância - quem não se lembra do Monstro da Lagoa Negra e dos óculos com uma lente verde e outra vermelha? Sei que, agora, não gosto. Se quero três dimensões num filme, vejo o Quarto Mandamento, de Orson Welles. A modernidade, no presente, dispenso.

(Outra versão do mesmo problema, publicada originalmente no Arrastão)

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