31/10/09

Ahab edições


Passados dez anos como livreiro, é difícil ser surpreendido - positivamente, pelo menos, já que a imaginação das editoras no que diz respeito ao mau gosto é inesgotável; desde livros com fitinhas, livros vendidos dentro de recipientes de fruta, livros com outros livros, livros com máscaras anti-epidémicas, de tudo um pouco tenho visto. Há casos em que parece que o produto vendido não é o livro, mas a sua oferta. Se a isto juntarmos os verdadeiros crimes cometidos contra bons autores - a título de exemplo, lembro a recente reedição de Ulisses e Retrato do Artista Quando Jovem, pela Difel, ou a nova linha gráfica da Teorema para Italo Calvino - compreende-se o desencanto sentido, que se nota mais nos últimos anos - a concentração editorial empobreceu a diversidade, e a sobrevivência dos projectos que interessam, mantidos por verdadeiros editores e não por burocratas vindos dos cursos de marketing, é bastante precária. Por isso, tenho de ficar contente quando aparecem no mercado estas excepções à mediocridade.
A Ahab edições começa por ter um lema admirável - à semelhança do que acontecia com a Cavalo de Ferro, outra editora arrastada para a lama por razões de pura trafulhice, por alguém que não merece outro epíteto que não seja o de canalha - mas isso é outra triste história. "There are some enterprises in which a careful disorderliness is true method". Fantástica frase, retirada de Moby Dick, e uma escolha de risco para bandeira do projecto. Mas começam muito bem - os primeiros livros publicados são objectos belíssimos, dão vontade de folhear e ler: Pudor e Dignidade, de Dag Solstad, A Ilha, de Giani Stuparich, Pergunta ao Pó, de John Fante. Boas traduções, e no caso de Solstad, isso é óptimo, até para contradizer a história recente - Solstad é noruegês, e pelos vistos há tradutores em Portugal das línguas escandinavas, ao contrário do que indiciava a opção da Oceanos, ao traduzir Stieg Larsson do francês. A tradutora de Stuparich é Margarida Periquito, com trabalho mostrado na Cavalo de Ferro, e Fante é traduzido pelo poeta Rui Pires Cabral, que é também um excelente tradutor - dele li em português Kazuo Ishiguro. Elogie-se o que merece ser elogiado - se aparecessem mais ilhas como esta no meio da corrente de maus livros que diariamente inunda a livraria, o meu trabalho seria um mar de rosas. Para descansar de todos os gatos que passam por lebre.

Sem comentários: