09/09/08

José Vítor Malheiros

Não sei o que possa ser um bom cronista - procurei no dicionário a entrada correspondente e deu em nada. Mas leio nos jornais tanta coisa decorada por uma fotografia mais ou menos debotada do seu autor, que alguma coisa deverei ter aprendido sobre o assunto. Na verdade, compro jornais quase só pelos artigos de opinião e as reportagens; e enquanto que os primeiros abundam, espalhando mediocridade opinativa pelas ruas do país, as segundas começam a escassear, dizem que por razões de economia. Lá saberão os directores dos jornais, e eu não quero perceber por que razão é mais fácil vender o que a concorrência - televisão e internet - também oferece: notícias. Que os bons jornais lá de fora cada vez mais apostem em artigos de fundo não poderá ser apenas coincidência - o Público chegou a publicar há uns tempos um artigo com uma entrevista a um guru dos media que defende ser o esse o futuro, um regresso em força ao novo jornalismo ao estilo da New Yorker e do movimento com o mesmo nome que surgiu nos EUA nos anos cinquenta. Mas o risco deve ser grande - não se vê nenhuma mudança neste sentido.
Enquanto isto, vou lendo as escassas vozes, e entre elas uma tão discreta quanto certeira e clara: José Vítor Malheiros. A sua coluna de hoje, dedicada aos ritmos do tempo moderno, é um exemplo. O estilo, entre o cínico e o sério, cativa desde o primeiro parágrafo; o texto começa por ser sobre as mudanças que vão ocorrendo na sociedade de hoje, e sem darmos por isso vai construindo a sua argumentação de forma subtil, até culminar na sua essência secreta: o silêncio; de Manuela Ferreira Leite, quem mais? Nem me tinha dado conta de que entráramos em território da política; são assim os bons escritores: lançam o laço no momento mais imprevisto. O parágrafo final, apenas para que se prove o que afirmo:

A democracia deve ser também o conhecimento destas tarefas, do ritmo e dos objectivos do trabalho político, porque ele deve ser transparente e possuir uma racionalidade evidente, cujos resultados se inscrevam com sentido na nossa vida. A inexistência desse sentido é um sinal de que a democracia está colada com cuspo. Mas é também um reflexo de uma incompetência dos políticos. Dar visibilidade e racionalidade ao seu trabalho é uma das tarefas de qualquer político. É por isso que a afasia do PSD, o silêncio de Manuela Ferreira Leite ou a banalidade do seu discurso quando finalmente fala é tão lesivo da democracia como as práticas de que acusa com razão governo.

Ninguém disse sobre o não-acontecimento da rentrée social-democrata nada tão sensato e incisivo. Apenas isto. Isto, apenas.

[Sérgio Lavos]

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