14/09/08

América


Passamos mais tempo a ver imagens da América do que do nosso país. Suponho que será a isto que chamam globalização cultural, por isso mais vale aceitar as consequências.
O burburinho que se tem vindo a cristalizar em torno das eleições americanas é desta vez mais audível. Tropeçamos diariamente nos especialistas em política e cultura norte-americanas; parece que toda a gente tirou uma licenciatura em Relações Internacionais com tese escrita sobre a América. Não há, na essência, nada de errado nisto. As coisas acontecem, estão aí a acontecer, esvoaçam à nossa volta, e se tivermos uma rede perto, é de aproveitar, capturemo-las. É para isso que os jornais pagam e os blogues não. 
Mas a milhares de quilómetros de distância, saberemos nós mais que os americanos que irão votar? O que é uma opinião, quanto vale? Que interessa o fulgor de Obama, ou a armadilha de Palin? Tudo bem, falamos do nosso futuro, quando discutimos as eleições americanas. O que impressiona não é esta vontade de ter uma opinião sobre tudo (admito que neste momento estou a fazer exactamente o mesmo); é a certeza com que se estranha o apelo da candidata a vice-presidente americana ou o esforço que se faz para tentar compreender por que razão Obama continua a ser incompreendido para, lamento, a maioria da população americana.
A América profunda que se apaixona por uma dona-de-casa que adora armas ("chicks with guns") e ama a vida não se compadece com os receios de uns quantos europeus; vota com o coração, que é o mesmo que dizer que vota em valores que ultrapassam a razão. A América que eu conheço não será diferente daquela que a maioria opinadora conhece: a América mediada pela televisão e pelo cinema, uma América idealizada ou estereotipada, mas que, apesar de tudo, escolhendo as imagens certas, se aproxima das representações que dela fazem.
Seria sensato rever, por exemplo, Twin Peaks, que neste momento repete no canal FX, e aprender com o olhar cirúrgico de David Lynch a conhecer a América que votará McCain por causa de Sarah Palin. Imagino eu, claro, que nunca lá estive. Mas é tão fácil cair na ilusão de saber algo se tivermos as imagens certas.

[Sérgio Lavos

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