30/08/08

Aquele Querido Mês de Agosto

Entre o elogio geral da crítica e o meu desejo de encontrar afinidades electivas, seria fácil decidir-me a ir ver Aquele Querido Mês de Agosto; o melhor do filme é ter conseguido ultrapassar expectativas e preconceitos.
Obra sobre um país que desaparece ou metacinema? Olhar antropológico ou autoreflexivo? Registo paternalista ou irónico? As escolhas são inúmeras. A decisão forçada de Miguel Gomes levou a que a obra seja um complexo labirinto de múltiplas leituras; não é apenas um filme, e não é um simples documentário. Um ensaio sobre o endémico mal do cinema português, a falta de dinheiro; um ensaio cínico e sem vontade de mudar seja o que for. Sobretudo um objecto que faz das suas fraquezas força, conseguindo sobreviver a um planeamento sabotado pelo escasso orçamento e à distância temporal entre os dois períodos de filmagem. Sem dinheiro, Miguel Gomes decide contratar pessoas (leia-se entre aspas irónicas) para fazerem de actores, para fazerem de personagens; e as duas temporadas de verão servem de marco entre documentário e ficção - apesar da descontinuidade temporal se esbater em virtude do ritmo da montagem, que no fundo acaba por ser a maior força do filme, o seu golpe de asa.
A história que as imagens da primeira parte contam - a ficção que a realidade produz - transforma-se em eco de realidade na segunda parte, ficção pura habitada pelos fantasmas do documentário; e a ironia do realizador vinca firmemente a natureza livre do filme. Por isso, um objecto que à partida tem como tema algo nos antípodas do gosto dos seus potenciais espectadores - a música pimba -, acaba por ser experimental nos seus propósitos. Ninguém admitiria que um musical pimba (no fundo, o que o filme é) pudesse ser também um ensaio certeiro sobre a arte de fazer cinema - a pós-modernidade não é um assunto encerrado; não mais sairemos de lá.

[Sérgio Lavos]

Sem comentários: