07/06/08

Um mês de quarentena

A vida cansa. O Verão está quase aí e a selecção Scolari prepara-se para mais um mês de paciência moída, esperas a jogadores, desvario de jornalistas em reportagem, peregrinações de autocarro, lamentações escatológicas de Pacheco Pereira e outras deambulações pelo lado mais negro da alma humana.

Avanço pelo cinismo dentro, claro, admitindo que talvez, reafirmo, talvez, passe este mês colado ao ecrã, de jogo em jogo, adequando horário laboral às melhores partidas e aos jogos da selecção. Eu sei que assim será, mas bem que me poderiam poupar os preliminares e o cigarrinho posterior. Vamos falar claro: não quero telejornais infindáveis sobre a dieta dos jogadores, os treinos dos jogadores, as mulheres dos jogadores, a ausência de vida sexual dos jogadores, as fãs dos jogadores, os velhos da aldeia que vêem a banda passar sem que a banda se digne a parar por eles (mas um microfone, esse, pára por qualquer coisa); aceito um pouco de comentário do Luís Freitas Lobo ou do António Tadeia, mas por favor não convidem o Oliveira do alho no balneário ou o Artur "olho negro" Jorge para dissertar sobre o trabalho do seleccionador ou as vicissitudes do apoio de um país à selecção; transmitam na televisão as grandes partidas de campeonatos de outros tempos, mas evitem os vislumbres dos toques do Ronaldo (apesar de andarem pelo You Tube umas imagens fantásticas de Ronaldinho e outros jogadores da selecção brasileira a curtirem com a bola num treino); podem mostrar entrevistas do Eusébio a falar do Mundial de 66, mas recusem o facilitismo da conversa com o emplastro sobre as decisões tácticas do seleccionador nacional.

Eu sei que posso escolher: mudar de canal, desligar o televisor, sentar-me a ler um livro - ou até voltar a ligar o aparelho e aproveitar para ver na Eurosport as retransmissões de partidas clássicas de antigos campeonatos. Mas, por defeito cultural (a minha portugalidade), queixo-me. Um mês de paz e sossego (relativos), de cerveja na mão e comemorações na rua, alegria para esquecer o cansaço da vida, uma dieta contida de transmissões sem gordura, sem refegos e enchidos para dar cabo do colesterol e da paciência.

A maior conquista de Scolari? Pôr um país inteiro um mês de quarentena. Aposto: se Cristo voltar à Terra em Freixo-de-Espada-à-Cinta, bem no centro da aldeia, ninguém o notará; Portugal prepara-se para se exilar de si próprio.

(Texto publicado originalmente no Corta-Fitas)

[Sérgio Lavos]

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