30/03/08

McRúcula

Damo-nos conta de que o mundo caminha mesmo para o abismo quando queremos almoçar rápido, entre um compromisso e um filme, e não encontramos um restaurante decente de fast-food nas redondezas.
É como entrar numa nave espacial, o renovado Monumental; os imaculados brancos escondem cortinas e segredos, autópsias e vivisecções de gente à antiga. Agora, se quero comer um hambúrguer (ou uma hambúrguer, como se dizia antes) tenho de ir ao McDonald's, que, a dois passos, está às moscas, apesar do lifting das saladinhas e dos menus light. Ou então opto por um belo e gorduroso hambúrguer de soja, humm, que bom, não bastava ser soja, ainda é em forma de hambúrguer, ou então apenas resta uma loja Go Natural, outra Become Light, outra ainda de pizzas feitas à base de trigo não transgénico, tudo acompanhado dos habituais sumos de frutos tropicais ou de batidos de feno, ou essa maravilhosa invenção bastante apreciada por clones de vacas, os shots de relva (é a pura verdade, juro); não sei quantas (poucas) calorias apenas e o health-club fica mais barato e evita-se uma ida à Corporacion Dermoestética.
Este é o reino da salada de rúcula temperada com vinagre balsâmico, e temo pelo futuro das nossas crianças quando vejo um suposto dread como Kalaf Angelo a discorrer na sua crónica do Público sobre os horrores que sofre de cada vez que percorre as lojas gourmet em busca de vinagre balsâmico (mas final, o que é isso de vinagre balsâmico? algum néctar produzido no Olimpo, ou será uma espécie de líquido curativo que substitui a água oxigenada na limpeza das feridas?).
Enquanto ainda tento digerir um cozido bem regado a vinho da casa, imagino esta gente que julga que viver significa prolongar o sofrimento e a fome e chegar aos 120 anos, presa nos lares para onde os filhos os enviaram, a recordar o passado com lágrimas nos olhos, aquele prato de beterraba cozida naquele restaurante new age onde iam aos trinta, o sabor da água mineral Evian, apuradíssimo, encorpado, a saladinha de couve roxa, rúcula e tomate cherry a acompanhar e o belo remate, digo, sobremesa; um pedacinho de doce de abóbora lado a lado com raspas de casca de laranja (já dizia a minha mãe: "não queres? come raspas!).
Eu sei que sofrerei por todas as vezes que, em vez de comedidamente passar fome, ter escolhido comer de entrada presunto em vez de salmão, emborcar uma feijoada com tinto e ainda ousar comer um doce de ovos no final. Mas até lá, pelo menos alimento-me, não finjo.
E acabei, claro, por sair do Centro Comercial e ir ao McDonald's. Se há alguma mensagem nisto, é esta: este foi um dos textos em que usei mais termos em língua inglesa; a globalização do gosto, surpreendentemente, não vai lá pelo fast-food. O que nos espera é o império da comida light. Ou será que pensavam que a ASAE era só um acidente de percurso?

[Sérgio Lavos]

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