28/09/07

This way up

Instruções para a leitura (e descodificação) dos meus textos mais herméticos:

Ponto prévio: nenhum texto é hermético; se o texto não é compreensível, é porque existe alguma falha na argumentação, uma contradição ou outra, ou é simplesmente falho de estilo.
Daqui, segue-se o seguinte facto: o estilo é tudo. O estilo será tudo? A unanimidade é impossível (quando alguém afirma ser o melhor escritor em língua portuguesa - e os outros estão a milhas de distância - sabe que está a alienar leitores e, mais do que isso, a obra que produziu, tornando-a sujeita a leituras impuras, condicionadas por preconceitos pessoais; mas o medo de morrer é uma coisa tramada). A unanimidade é impossível. E há sempre um gajo qualquer que sabe a verdade acerca daquilo que escrevemos.
Nem sempre sabemos a verdade sobre aquilo que escrevemos - o texto domina as palavras que o compõem. O texto pode conduzir à contradição, ou pior, ao erro.
O texto conduz ao desaparecimento (cheguei aqui apenas por associação fonética - o texto é som, falado ou lido, vocalizado ou mental; é som, apenas). O texto conduz ao desaparecimento da ideia original, a ideia que ele quer transmitir. O texto demonstra a impossibilidade de comunicar - o que queremos dizer está vedado aos outros; são apenas sombras, aquilo que os outros lêem.
O desaparecimento é um reconhecimento; qualquer conceito obscuro, escondido pelo texto, é reconhecível quando relemos o texto. Deste modo, o texto apenas ajuda quem o escreve. Os que não relêem o que escrevem: nunca foram verdadeiros, ou chegaram demasiado próximo da verdade.
Escrever é um risco - aproxima-nos do abismo essencial das coisas; daqui, não resulta nada de relevante - é também um risco pintar, ou fazer um filme, ou enfrentar cada dia sabendo que este será uma cópia do anterior - mergulhar no esquecimento.
A contradição é essencial - nunca somos os mesmos, a mudança é a nossa segunda pele, o fundamento da natureza (foi Camões quem o disse mais perfeitamente); se a mudança é inevitável, estamos condenados a ser o contrário do que já fomos. Mas vamos acabar por perceber que, no fundo, nunca mudamos - mas aqui falo do desconhecido, não das palavras que escrevemos.

O que é um texto hermético? Um texto que pretende explicar tudo. Nem sequer tentem.

[Sergio Lavos]

4 comentários:

JPG disse...

E pensava eu, por ignorância, que "um texto que pretende explicar tudo" remetia (como agora se diz) para a hermenêutica e não para o hermetismo. Isto porque me parecia, porventura ainda mais absurdamente, que se o texto é hermético (totalmente fechado), então não será passível de qualquer espécie de leitura (interpretação) e, nesse caso, não seria um texto. Seria um não-texto, digo eu.
Mas enfim, já cá não está quem falou.

Anónimo disse...

Rilke refere a apreensão da escrita mais pelo som que pelo sentido, mas naturalmente é do texto poético que se trata. Quando falamos da escrita em prosa, a legibilidade é uma questão central. O estilo é coisa menor, questão de época. Nenhum renascentista, barroco, romântico, etc., o foi por preocupação de estilo. Em suma, um texto deve ser legível e os seus são legíveis.

Unknown disse...

«A religião é uma maneira de explicar tudo o surrealismo é uma maneira de não explicar nada entre a prece ea charada há-de haver uma outra estrada ...»

:)

Sérgio Lavos disse...

Digamos que se pode fazer hermêutica do hermetismo. Desconstruir a charada. Explicar o sentido do nada.
Ou então não.
Ficar perdido com uma citação (do O'Neil?)
Percebo menos de poesia do que de economia.
O Rilke é que tinha razão.