01/08/07

Palavras

Quando alguém morre, alguém que tenha direito a mais do que um parágrafo na secção respectiva, os apaixonados são convidados a escrever de forma pessoal, é-lhes dada a liberdade de serem eles próprios e não o veículo de uma notícia ou de uma opinião (também se pode ser, pode; exemplos abundam). São textos de desassombro, de ajuste de contas com a angústia derrotada provocada pela inevitabilidade do tempo. São textos, quando bem escritos, tocantes. Mesmo quando a figura que morreu diz pouco a quem lê, de algum modo o que os apaixonados dizem da sua obra ou da personalidade redime o desconhecimento.
Por regra, são estas as edições que se guardam dos jornais; os nossos ídolos morrem sempre provocando um sobressalto - quando não um pequeno terramoto. Sabemos que daqui a uns anos iremos folhear as páginas amarelecidas meditando no sentido que fará ainda guardar aquilo - ou talvez nem voltemos a mergulhar no rio que nos deixou para trás. Se o fizermos, contudo, estarão lá as mesmas vozes, de jornalistas a quem entretanto perdemos o rasto, recordando o tempo que passaram com tal ou tal poeta, pintor, cineasta - livros, pintura, filmes.
Provavelmente, apenas isto, a vida de cada um, a sua relação com quem morre, interessa a quem lê.
Ontem, Mário Jorge Torres e as suas idas ao cinema a conselho de Vergílio Ferreira, Luís Miguel Oliveira e as mulheres, Bénard da Costa oral e ainda assim lúcido e sentimental, lembraram a vida deles com Ingmar Bergman. Hoje, eles ou outros recordarão Antonioni. Guardaremos o jornal, as palavras. Cada morte é uma oportunidade de recriar uma vida. Relembrar o vazio que nos espera.

[Sérgio Lavos]

1 comentário:

tlpg disse...

Verdade e excelente.

Um abraço,
Tiago.