20/07/07

Literatura e fantasma (2)

Curioso é que, actualmente, a maior parte dos escritores fantasma se entretenha a desaparecer nos E.U.A. Esta verdade não indica uma mudança nos hábitos do escritores americanos, nem, sequer a perda de um hábito dos europeus. Não há assim tantos escritores que se tenham dedicado ao silêncio ou ao desparecimento, para espanto de quem os admira. A obsessão de Enrique Vila-Matas, por exemplo, tem muito de inveja mal-disfarçada. Ao auto-retratar-se em "O Mal de Montano", pouco subtilmente, o escritor catalão mostra mais do que admiração por Robert Walser: ele não nega, de resto, que desejava ter a coragem do escritor suiço. Mas será a loucura um acto de coragem?
Mas, a América. Tenho para mim que a razão de, actualmente, os ilustres representantes dessa raça de criadores malditos serem quase todos americanos, se deve a dois factores: o actual predomínio cultural desse país no mundo (basta comparar com o tempo de esplendor intelectual que a França vivia a quando da desistência de Rimbaud); e, mais agudamente, a influência do cinema no imaginário de toda uma geração de criadores. Aliás, o cinema também tem a sua dose de excêntricos reclusos: de Kubrick a Malick, a Francis Ford Copolla (que, reparem não faz um filme para aí há dez anos, e não me apetece googlar esta informação), abundam os exemplos. De outro modo, o cinema tem-se interessado por estas personagens exaustivamente. O escritor que se cala, que escreve um romance e não dá mais notícias ao mundo. Ora, este tipo de interesse apenas pode levar à continuação deste estado de coisas. Enquanto alguém se questionar sobre o paradeiro do escritor silencioso, este continuará na sua, alimentando especulações e sobretudo construindo um mito, contribuindo para o empolamento da sua obra.
Imaginemos um cenário: Thomas Pynchon aparecendo em todo lado a cada livro novo, entrevistas, recensões, idas a programas televisivos, enjoo infernal (pensemos, por exemplo, em António Lobo Antunes multiplicado por mil, o universo americano), Pynchon omnipresente, Harry Potter para as massas intelectuais deste mundo. Quantos de nós não desistiriam de o ler (e não é difícil, tendo em conta o tamanho crescente das suas últimas parições)? Porque o preconceito é um belo sentimento: não lemos porque todos lêem.
Enquanto o cinema americano se interessar por este clube, eles vivem. Para bem da perpetuação dos nossos mitos.

[Sérgio Lavos]

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