13/06/07

Al Berto

Conheci Al Berto num sonho. Actores moviam-se num palco improvisado, a dois passos do lugar onde estava sentado, e não eram actores, eram personagens do Lunário, e não eram também personagens, eram Alberto e os amigos, amantes, e não eram homens e mulheres, eram corpos em movimento, esboços no papel e sombras na memória, não eram nada, apenas luz e um resto de rio parado.
Há um momento na vida em que o lirismo pop de Al Berto faz sentido. Passei por esse momento, como muitos que o admiram (ou admiraram) como o fazem a uma estrela de rock. Não era a marginalidade, o risco. Nem sequer a aura romântica, como um Rimbaud recente ou um Allen Ginsberg doméstico. Era o corpo que aparecia plasmado na poesia que escrevia. De algum modo, olhava para a fotografia do poeta roubada por Paulo Nozolino a Caravaggio para a capa d'O Medo (naquela edição da Contexto) e via mais que um homem escrevendo - uma simulação de anjo. E a adolescência é propícia a estes encontros com anjos. Entretanto, fui ficando mais velho. E cínico. Deixei de gostar como gostava de Al Berto. Encontrei-lhe uma ou outra fraqueza, mas sobretudo descobri nele uma sinceridade no dizer que já não consigo admirar nos poetas. O problema é meu, portanto.
Al Berto morreu num dia 13 de Junho, há dez anos. São tantos os textos que escrevi sobre ele (poemas, dedicatórias, contos com personagens inspiradas nele) que se torna injustificada a minha distância em relação à sua poesia. Entre a vontade de sobreviver numa vida que se afasta cada vez mais rápido do sonho em que encontrei Al Berto e a necessidade de regressar de vez em quando a esse sonho, vou jogando a minha relação com o poeta; que é, em simultâneo, uma dança com o meu passado - esse que não cessa de resistir em cada verso d'O Medo.

[Sérgio Lavos]

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