04/05/07

Encurralados

Fumar é uma questão de liberdade. Fazer amor também, para todos os efeitos. Qualquer que seja a variação, tudo é permitido dentro de portas. Houve tempos em que se proibia a sodomia, mas nenhum país desenvolvido se atreve ainda a reprimir actos de natureza exclusivamente pessoal. O que se quer fazer, e já foi feito em muitos países, é equiparar o acto de fumar a actos de natureza sexual. O caminho inverso já foi percorrido antes; pense-se no charuto de Monica Lewinski. As alusões ao falo que envolvem a actividade são evidentes desde antes de Freud. Legisle-se contra a perversão, portanto. Anseio pelo prazer que retirarei de fumar quando a lei for aprovada. O que antes era natural, partilhado, social, mundano, passa a ser anti-natura, individual, egoísta, privado. Viva a perversão do fumo! Libertinos de todo o mundo (ocidental), rejubilai! Mais um prazer proibido (e culpado) se acrescenta à lista de bizarrias que temos à nossa disposição. Fumar a seguir ao sexo deixará de ser um momento de calmia depois da tempestade. Um prazer ameno. De cigarro na boca, seremos como Sade seduzindo e pervertendo as mentes mais puras.
Não há nenhuma diferença entre um puritano sexual e um proibicionista. A sua natureza assemelha-se. A ditadura do bem-estar começa a tomar conta do mundo. Queremos mulheres com a silhueta de raparigas de 13 anos, músculos tonificados aos 50 e uma morte limpa, sem sofrimento. Estimulamos a investigação científica e queremos encontrar a cura para todas as doenças (como se fosse possível morrer saudável) e ao mesmo tempo especulamos sobre a eutanásia e deixamos os velhos abandonados à sua tristeza em lares habitados por sombras de vivos. Merece mais atenção um pobre fumador que apenas deseja poder viver com o seu vício sem ser importunado do que um velho abandonado pela família como um cão.
Vamos sendo encurralados pela lei do mais forte. A democracia que protege as minorias esquece-se por vezes dos direitos das maiorias. Não desejo mais saúde nem bem-estar; apenas o direito de poder fazer o que quero, desde que não prejudique os outros. Mesmo que os outros me queiram prejudicar. A minha liberdade.

[Sérgio Lavos]

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