16/04/07

Entrada de diário (5)

Freud deixou-nos em herança mais que um sistema falível de compreensão do mundo - percebido apenas como uma construção da psique humana. Deixou-nos os sonhos.
Chega de lirismos, não falo dessas previsões de futuro. Dos sonhos verdadeiros, o território de todas as bestas que nos assombraram em algum momento da vida.
Não acredito em psicologia, mas também não preciso de acreditar para ser tudo verdade. Partir do ponto de vista solipsista do psicanalista até chegar a mim próprio é prova bastante para a amena fraude psicanalítica. E depois, as palavras. Quem descodifica o que temos de mais intricado através de proposições, jogos linguísticos, não merece a minha confiança. Mas os sonhos...
Não há como não aceitar que a psicanálise acertou quando tratou dos sonhos. Tudo tem que ver com o método: quando Freud se propunha adivinhar a origem das psicoses dos seus pacientes, corria sempre o risco de errar, redondamente, magnificamente; e isso aconteceu quase sempre (os pacientes raramente melhoraram). Mas a paciência de arquivista ao registar os seus próprios sonhos é merecedora de todo o crédito. Acredito em Freud quando interpreta os seus sonhos e acredito quando estende o âmbito das suas interpretações aos sonhos dos outros - somos todos humanos.
E sonhamos. E enfrentamos os medos nos sonhos. E imaginamos uma vida diferente daquela que levamos. Criamos outro plano de existência. Superamos os defeitos da memória. Vivemos fora da vida. E quando acordamos, podemos sem dificuldade esquecer tudo. Como poderia Freud estar errado?

[Sérgio Lavos]

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