16/04/07

Entrada de diário (4)

Não acredito em literatura. Abro um livro e desconfio do cheiro velho, reconheço nas palavras coisas repetidas, lidas e por ler, apesar disso já conhecidas. Nada é novo, a literatura recicla-se. Fala apenas de si própria, olha para dentro de si e apenas reconhece anteriores encarnações, as mesmas ideias de sempre debatendo-se com a traiçoeira eternidade.
Mas deixo de lado esta minha desconfiança. Abro cada livro novo como se nunca tivesse tocado num livro. Obrigo-me a achar que ler se assemelha a escrever: num momento existe nada, de seguida tudo. Sentido? Apenas faz sentido o silêncio, a pausa no ruído do mundo. Numa frase de escritor (aquele verdadeiro) reverbera um mundo de sentido pleno que não precisa de palavras para se explicitar. A frase obriga o leitor a pensar-se. Convida-o a calar-se e a deixar-se invadir por essa força calada, intensíssima, até que nada reste a não ser o vazio da reconhecimento.
Entre este reconhecimento, o martelo da repetição a cada livro, e a intuição de que não há verdadeira sabedoria fora do silêncio da literatura, perde-se o passo do tempo. Habita nessa falha intersticial mais que imprecisão e medo. Um pé pousado sobre a incerteza da literatura. Um salto preciso sobre o abismo.

[Sérgio Lavos]

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