13/02/07

Tempos modernos

Há um livro que li há anos, mas nunca o cheguei a ter nas mãos. Percorri-lhe as artérias. Conheço-lhe os segredos. As personagens: mulheres, três mulheres cruzando o tempo da narrativa - a construção da memória. Sei o nome do autor. Alguém com o mesmo nome escreveu poemas por onde passei os olhos - em tempos. Tentei obter o objecto físico, os cadernos cosidos, a capa. Ler o resumo, a nota biográfica, se a houvesse, sentir a tinta dos caracteres sob os dedos. Marcar as páginas. Usar o livro. Deixar assentar sobre o papel o cheiro dos meus dedos. Percorri várias livrarias em Lisboa, pedi a um amigo para me trazer de França. Não o encontrou. Conheço-o tão bem. Fala do silêncio e da névoa, do tempo debatendo-se na margem oculta de um rio. Foi-me apresentado por Umberto Eco enquanto passeávamos por um bosque de veredas fechadas sobre si próprias. Chama-se "Sylvie", e foi escrita por Nerval. Amanhã sou capaz de encomendar a casa onde ela mora a uma livraria on-line.

[Sérgio Lavos]

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