26/01/07

Entrada de diário (2)

Enquanto tentava tomar a decisão mais importante da minha vida, descobria que as frágeis fundações do meu mundo se tinham desmaterializado. A insónia surgiu como uma constante do universo e perdeu a natureza causal que lhe tinha sido até aí intrínseca. Era a adolescência.
E o meu interesse, imagine-se, eram as ciências exactas. A certeza, o esforço até chegar a um resultado, o método experimental, perfeito porque incluía na sua sequência o erro e o falhanço, além de qualquer dúvida. Décadas mergulhado no vício das letras conduziram-me a uma conclusão, desgraçadamente - não consigo acertar com o tom do discurso: apenas existe verdadeira poesia num teorema.
Tudo o resto: dúvidas, preocupações, ingenuidades congénitas.
Mas enquanto era afrontado pela idade maldita do Homem - e afirmo isto com um sorriso melancólico nos lábios - tive de decidir, e talvez tenha errado. Nunca poderei ter a confirmação da suspeita, inevitável consequência do hábito de relativizar a importância das equações e do método.
A minha indisciplina nasceu na infância mas fundamentou-se na adolescência. O esforço de contrariar a incerteza levou a que o meu gosto literário se construa a partir da terminologia científica. E nenhuma das famílias de onde ele descende se pode orgulhar de ter o sangue puro. Abastardo as duas áreas do conhecimento sem nunca as dominar minimamente. Apenas o meu gosto legitima a operação.
Apenas o trágico consegue verdadeiramente ser cómico. Se nos levarmos muito a sério, acabamos por acessórios à nossa própria existência. Redundantes. Desnecessários.
Talvez tenha chegado a esta conclusão demasiado tarde, e por isso as palavras carregam o peso da tragicomédia rasca, ao ritmo de uma vida pós-moderna demasiado acabrunhada e afogada na corrente perpétua de informação, onde qualquer tempo mais lento que aquele que um bom computador pessoal permite acaba por ser um acto temerário destinado ao fracasso.
As noites que não dormi aos treze anos, recupero-as agora. Quando tudo o que eu desejava era o espanto da insónia.

[Sérgio Lavos]

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