24/11/06

IVG

O excesso argumentativo que uma questão como a despenalização do aborto espoleta corre sempre o risco de ser contraproducente, seja num sentido ou no outro, e favorece o pior que pode acontecer: uma decisão iminentemente individual ser tomada de acordo com o preconceito ideológico.
Quero pensar de acordo com a minha consciência; e esta obriga-me a aceitar a opinião daqueles que pensam de modo diverso do meu. Passando por cima desta evidência, deparamos com o ponto fundamental do referendo: qualquer que seja o resultado que dele advenha, o que acabará por acontecer é a imposição de um ponto de vista moral sobre uma questão de consciência, de uma parte da sociedade sobre a outra. A partir disto, o que devemos exigir a nós próprios é responder a uma pergunta simples: será que quero impor aquilo que penso ao conjunto de cidadãos que diverge da minha posição?
Nos dois campos, o que mais se vê é o despudor do moralismo - aquele dos defensores da despenalização, que não hesitam em esgrimir os mais banais argumentos nesta questão (o argumento do progresso, o argumento feminista, o argumento puramente reactivo contra qualquer ideia que "cheire" a conservadorismo e retrocesso); e o moralismo da trincheira do "não", com o seu argumentário terrorista da defesa intransigente do mais lato dos conceitos: a "vida".
O problema não será a bondade das razões de cada campo. É sempre o inevitável deslizar para a retórica primitiva, política, lamentavelmente evitando aquilo que se deve exigir num problema tão delicado quanto este: seriedade na argumentação.
Voltando à questão que se coloca: será que devo impor a minha moral aos outros? A resposta deverá ajudar-me a tomar uma decisão em relação ao próximo referendo. No silêncio da reflexão ou no espaço de exposição de um blogue, decidirei na certeza de quem não farei o mesmo que fiz em 1998: abster-me.

[Sérgio Lavos]

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