29/09/06

Construções

O problema dele é que construía casas como um poeta e poemas como um arquitecto.
Quando se dedicava à sua profissão habitual, tinha um método: sentava-se ao estirador e deixava que os materiais de escrita fossem conduzidos pela regras da imprevisibilidade. O resultado final era quase sempre um projecto tão desmesuradamente lírico que nenhum alicerce, por mais fundo que entrasse na terra, poderia sustentar os pilares e as paredes que iriam perfazer o edifício. Quase sempre também, ele decidia supervisionar a concretização do projecto no terreno, o que tornava o caos ainda mais insolúvel.
Por outro lado, os poemas que escrevia obedeciam a regras rígidas, definidas pelas linhas rigorosas de uma esquadria mágica e invisível. Eram fabricações tão intricadas e perfeitas que dir-se-ia terem surgido de uma única rocha, como se fossem esculturas e não conjuntos de palavras e silêncios. Quando alguém arriscava a voz na leitura do poema, a frieza da escala retirava-lhe a aparente força. Onde as metáforas deveriam enfraquecer, ganhavam brilho. O engenho das imagens era tão poderoso que a realidade acabava por ser uma pálida imitação daquilo que a imitava. E isso destruía-o como poeta.
Nunca foi reconhecido em nenhum dos ofícios, mas persistiu; as forças que todos os dias reunia não foram suficientes para que desistisse das suas duas vidas. Se habituasse o corpo à dolência da falibilidade, poderia com facilidade enlouquecer. E esta fatalidade, como se sabe, é sempre privilégio dos poetas. Coisa que ele nunca iria conseguir ser.

[Sérgio Lavos]

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