25/05/06

José Luandino Vieira

A eternidade tem um pedaço de terra reservado aos escritores que recusam as comendas dos seus contemporâneos. Em 1996, Herberto Hélder, intransigente na sua reclusão, não aceitou que lhe fosse atribuído o Prémio Pessoa, sem adiantar razões nem desculpas, e todos lhe compreenderam o gesto. Luandino Vieira seguiu-lhe o exemplo, e o de Sartre a Barnard Shaw, e persistiu no isolamento de dez anos no seu convento particular em Vila Nova de Cerveira. Quem o conhece aceita, o sistema entende. Do mesmo modo, quando se fala de prémios Nobel mais depressa se lembra os que nunca ganharam do que meia academia de notáveis nobelizados que caíram no esquecimento do mundo. Nada que surpreenda, e o escrutínio do tempo consegue ser radical nos seus processos. Cada escrito de Kafka, cada conto de Borges, é mais admirado e estudado que toda a obra de Erik Axel Karlfeldt (1931) ou Johannes Jensen (1944), por exemplo. Dou por mim a olhar para a lista dos esquecidos pelo cânone e a pensar nas razões que possam ter levado ao actual estado de coisas. Como é impossível encontrar traduções destes autores, nunca poderei confirmar as suspeitas. Será o valor intrínseco da obra a fixar o escritor na memória colectiva ou dependeremos na totalidade dos critérios de um panteão de académicos que perpetuam os mesmo autores de sempre, produzindo infindáveis teses à volta do mesmo tema? Aprendemos a confiar no gosto alheio, não temos alternativa. O critério parte sempre de uma subjectividade extrema, a que decorre da credibilidade daqueles que lemos e escutamos. Que fazer senão aceitar esta irreversibilidade? Confio nos prémios, no meu gosto ou no gosto dos outros? O critério Bartleby costuma ser bom juiz das minhas escolhas. Este critério obriga a que admire o escritor que se exclui do sistema, se torna objecto de um jogo de negação e recusa. Ao afimar a sua individualidade pela negativa, o escritor-Bartleby (recorrendo à preciosa ajuda de Enrique Vila-Matas) torna-se objecto passivo do meio onde antes pertencia, coloca-se fora do acontecimento, não esperando compreensão ou reconhecimento. Simplificando, presta-se à marginalidade, sabendo no íntimo que apenas o que não pertence à comum mundanidade pode julgar de modo exacto a obra produzida. O escritor que recusa protege a obra dos efeitos secundários da realidade: a vaidade, o orgulho, a mesquinhez dos anões da História. Afirmar que a recusa é também uma atitude mundana não me parece contraditório. É a mais admirável concessão que se pode fazer ao Outro.

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