05/05/06

Histórias

Não consigo perceber a expressão "uma história bem contada". E sou bem capaz de já ter dito ou escrito isto algumas vezes. Falamos do enredo, da narrativa, do estilo da escrita, das intenções do autor e do modo como ele tenta concretizar essas intenções? A simplicidade será uma qualidade, o hermetismo um defeito? Ou será o contrário? Pedro Mexia, num artigo escrito há umas semanas no DN, enquanto se divertia a fazer uma crítica negativa ao último livro de uma das "novas vozes da literatura portuguesa", Mafalda Ivo Cruz, queixava-se da ausência de um meio-termo na ficção escrita por portugueses; ou os autores pouco se interessam pela disponibilidade do leitor para a obra, ou interessam-se demasiado, escrevendo livros que vendem muito mas que dificilmente se podem enquadrar na categoria de literatura. Ora, o problema não será esse. Um mau escritor será sempre um mau escritor, a forma como escreve nunca conseguirá disfarçar o conteúdo. Nem todos podem ser Maria Gabriela Llansol, mas há muitos que tentam; o máximo que conseguem, quase sempre, é escrever como Rui Nunes. De qualquer maneira, será difícil atingir a límpida perfeição de Camilo ou de Eça. Nos contemporâneos, apenas Mário de Carvalho se aproxima. Claro, pode-se dizer que o estilo de Mário de Carvalho não é, evidentemente, escorreito e simples. Mas que sabe contar uma boa história, sabe. E o prazer que se retira da leitura de um português sem falhas é inultrapassável. Porém, a grande maioria dos leitores, já se sabe, pouco se prende aos pormenores, preferindo ao gosto da leitura de terceiro grau (de acordo com a classificação de Umberto Eco) o prazer imediato da leitura em primeiro grau. Para a hermenêutica do texto bastam os académicos. Poder-se-á censurar o facilitismo do leitor que apenas tem tempo para ler nos transportes, o leitor que encara a obra como passatempo ou diversão? Educar o gosto do leitor é uma pretensão inócua, a que os virtuais educandos respondem de modo directo e sucinto: mostrando o dedo do meio. Como a democracia, o gosto não é uma coisa que se possa impôr à força; a coisa vai lá devagar, dando pequenos passos, começando por uma Margarida ou um Paulo Coelho na esperança de que se possa chegar a James Joyce. Poucos lá conseguem aceder. Não é um problema, nem uma desilusão. Ou será que pretendem fazer crer que Joyce escreveu "Finnegan's Wake" tendo em mente uma vasta audiência?
O meio-termo de que falava Pedro Mexia pode ser fundamental. A tal história bem contada é este meio-termo que falta. Haverá algum Murakami, algum Pérez-Reverte, algum Ian McEwan à espera de aparecer na literatura portuguesa?

(Sobre o assunto, ler também aqui e aqui. E siga-se os outros links que aparecem nos textos referidos.)

Sem comentários: